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quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Tabuada da multiplicação (com dedos)

Muitos professores do 1º ciclo têm reflectido na importância ou não, da insistência na memorização da tabuada.

Normalmente o que se decora acaba por ser esquecido, portanto, há um entendimento generalizado em dar prioridade à compreensão da tabuada em detrimento da sua memorização. A ideia que fica é que o aluno, em qualquer altura, consegue construir a tabuada não havendo portanto, a necessidade de a decorar.

No entanto, em níveis de escolaridade mais avançada os professores queixam-se dos alunos não saberem a tabuada. Esta situação impossibilita o desenvolvimento de outras técnicas de cálculo e exploração de novos conceitos matemáticos como sendo a equivalência de fracções, os múltiplos, os divisores, decomposição de números e outras inúmeras situações onde se pressupõe saber de imediato o produto de dois algarismos.

A questão da memorização, a meu ver, é uma actividade de especial importância na formação escolar. Talvez mais tarde ainda possamos ser apetrechados de chips que resolverão este problema. Mas até lá, vamos com certeza continuar a ter a necessidade de memorizar e, cabe à escola desenvolver no aluno, de acordo com a sua forma de pensar, a capacidade em descobrir as melhores técnicas que facilitem a sua memorização.

E porque a memorização requer um trabalho continuado, torna-se difícil a gestão do tempo face à ambição do próprio currículo escolar do aluno, com múltiplos tópicos matemáticos repletos de conceitos que vão pesando na responsabilidade do professor para fazer com que os seus alunos adquiram maior competência matemática.

Constata-se que a grande dificuldade na memorização da tabuada, na maior parte dos alunos, é a partir da tabuada do seis. É por isso que sugiro que se dê uma atenção especial a Édouard Lucas no seu livro, O jogo Militar. Segundo este autor, a cultura palestiniana e síria usam um algoritmo muito interessante que poderá ser um contributo valioso para que os nossos alunos aprendam a tabuada.

Partindo-se do princípio que o aluno não tem dificuldade em saber a tabuada até ao cinco, toda a outra tabuada se torna muito fácil. Assim, qualquer aluno poderá confirmar, de forma autónoma, o produto de dois números maiores que cinco e de um só dígito.

Tomemos como exemplo o produto de 7 por 8 (7x8). Basta representar o sete numa mão e o oito na outra mão. Dado que as mãos têm apenas cinco dedos, então recorremos aos dedos dos pés para ajudar nessa representação. Assim, tendo cinco dedos nos pés mais 2 dedos levantados na mão, será uma forma de representar o sete. Seguindo a mesma técnica não há dificuldade em representar o oito - três dedos levantados na mão.


Agora, é só adicionar os dedos “levantados”, 2+3=5, e juntar à direita deste, o produto obtido pelos dedos “deitados”, 3x2=6. Obtém-se assim 56 o que corresponde ao produto pretendido: 7x8=56.

Estou convicto que passando a olhar mais vezes para as mãos, este algoritmo que parece ser complicado no início, poderá entrar na rotina e, para além de ajudar a memorizar a tabuada, é um exercício que também desenvolve a abstracção do aluno e consolida outros conhecimentos a favor de outras novas técnicas de cálculo mental.

Repare que a soma dos dedos “levantados” corresponde ao número de dezenas, e o produto dos dedos “deitados” corresponde ao número de unidades. Estes dois valores adicionados dão sempre o resultado pretendido. Faço este reparo para que saiba aplicar o algoritmo quando pretende determinar 6x6 ou 6x7.

Fica agora a cargo do leitor perceber porque refiro estes dois casos especiais. Que técnica vulgarmente é usada nos nossos algoritmos que também aqui pode ser utilizada?

sábado, 13 de dezembro de 2008

Divisão por três

Numa ou noutra situação todos nós já fomos confrontados com a necessidade de um ajuste de contas (no verdadeiro sentido da expressão), onde se pretende fazer o acerto das despesas comuns.

Também três amigos, na preparação de um passeio, decidiram que o almoço seria leitão. Ficou combinado que cada um levaria a sua bebida e o Gustavo com a responsabilidade de levar o assado.

Acontece que o Gustavo só conseguiu comprar 700g de leitão, era o último leitão do dia. Sendo francamente insuficiente para 3 pessoas, o Gustavo decidiu telefonar ao Bernardo para comprar no hipermercado, perto da sua casa, mais 500g de leitão.

No dia do passeio, já no final do almoço, altura que escolheram para fazer o ajuste de contas, o Eduardo chegou à conclusão que teria de pagar 6€, uma vez que a despesa com o leitão foi de 18€. É nesta altura que se levanta o problema. O Gustavo e o Bernardo ficaram, naquele momento, sem saber como dividir os seis euros entre si. No entanto, os dois amigos acabaram por acordar que o Gustavo ficaria com 3,50€ e o Bernardo com 2,50€.

Segundo o raciocínio do Gustavo deveriam dividir o dinheiro tendo em conta a mesma proporção de leitão com que cada um contribuiu. Até porque o preço do quilograma do leitão foi o mesmo.
O Bernardo acaba por concluir que as contas até eram boas de fazer uma vez que se tratava de 1200 g de leitão e, o dinheiro que pretendiam dividir eram 6€. Assim, 500g vai corresponder a 2,50€, esclarece o Bernardo, prontificando-se a entregar de imediato ao Gustavo, a diferença que vai para os 6€.

Entretanto, no dia seguinte, quando o Eduardo tomou conhecimento de tal divisão reprovou veementemente aquela forma de pensar. Segundo as contas feitas por este amigo, que sempre foi respeitado pelas provas académicas dadas, o Bernardo teria que ainda dar ao Gustavo 1 euro.

De facto, após a explicação do Eduardo, os outros dois amigos acabaram por perceber como tinham errado no seu raciocínio. No entanto, não pareciam muito convincentes com o resultado obtido. Principalmente o Guilherme, tendo subscrito o raciocínio do Eduardo, repetiu várias vezes as contas à procura do possível engano.

Como seria possível esse raciocínio ser o mais correcto e, levar a um resultado que parece ser tão injusto - o Bernardo ficaria apenas com 1,50€ e o Gustavo com 4,50€?
Será que o leitor com toda a sua justiça matemática consegue encontrar explicação para esta justa divisão que o Eduardo defende?

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Um problema de reflexão

Ainda me lembro dos meus tempos de estudante em como a matemática era uma disciplina que só poderia agradar aos “abstractos”. Refiro-me aos “abstractos” como sendo aqueles que, por diversas razões, tiveram oportunidades de passar por múltiplas experiências, ganhando elevados níveis de abstracção o que lhes garantia uma maior competência  matemática.
Nesse tempo era mesmo difícil gostar da matemática, era caso para dizer que a matemática era “intragável”. O aluno não via qualquer utilidade no estudo desta matéria. As propostas de trabalho eram áridas, pouco ou nada apelativas, conquistando apenas os “abstractos”, como é o caso do exemplo seguinte:
Encontre o ponto P da recta r de modo que o comprimento da linha poligonal [APB] seja a menor possível.

Convenhamos que se trata de uma tarefa para a qual o aluno poderá revelar pouco interesse em resolvê-la. Qual o objectivo? Qual o interesse em descobrir onde está o ponto P?
No entanto é uma tarefa muito rica, visto implicar vários conhecimentos matemáticos, como por exemplo a distância entre um ponto e uma recta, a noção de reflexão,  a perpendicularidade, a implicação e o manuseamento de material como o esquadro, a régua e o compasso.
Hoje o trabalho do professor a nível didáctico-pedagógico é muito mais exigente. Também tem que “saber vender” o seu produto. É por isso que tem de gastar algum tempo na preparação da estratégia de “venda” – processo que não é valorizado por aqueles que estão de fora. Para além da selecção ou produção da tarefa onde se pretende a apropriação de novas aprendizagens, também é necessário que o professor, quando propõe a tarefa, tenha a mesma preocupação que o chefe de cozinha - para além do paladar, primeiro tem que ser agradável à vista. É claro que isto não é tarefa fácil para o professor. Por vezes, a melhor ideia talvez acabe por nunca ocorrer apesar do tempo dedicado a essa causa.
Neste caso, tornar um pouco mais agradável a actividade poderia passar por transformar o ponto A na casa do aluno e o ponto B a casota onde se encontra o seu cão de estimação, sendo a recta r o rio que passa junto à quinta do aluno. Agora pretende-se que o aluno vá ao rio encher o balde para levar água ao rafeiro. Para que o aluno faça a menor distância possível em que lugar deverá apanhar a água no rio?
Será que agora também o leitor já ficou curioso em encontrar o ponto P? Se imaginarmos a casota do cão na outra margem do rio, com certeza que o balde deveria ser cheio no ponto de intersecção do rio com o caminho, em linha recta, até à casota do cão. Não haverá um ponto na outra margem que possa corresponder ao lugar da casota do cão? Será que esta dica poderá ajudar a encontrar o ponto P?


sábado, 22 de novembro de 2008

Entre o possível e o impossível - as ilusões.

Com certeza que já ouviu dizer que uma imagem vale mais que mil palavras. Também um bom exemplo pode evitar muitas palavras quando se pretende transmitir uma ideia matemática. No entanto, pior que a falta de um exemplo poderá ser um mau exemplo.

E quando se trata de um bom exemplo que parece ser um mau exemplo? Não tenho dúvidas que a dúvida resiste.

É o exemplo da figura que se segue que pretende ser o exemplo de duas figuras geometricamente iguais, isto é, se as figuras forem sobrepostas elas coincidem ponto por ponto.

imagem retirada de Perelman,Yakov. Experiências e Problemas Matemáticos Recreativos II. EDITEC

Acredita que estas duas figuras são geometricamente iguais? Claro que não. Uma até parece ser mais larga e curta que a outra. Mas, de facto elas são geometricamente iguais. Faça a experiência, copie, recorte, sobreponha-as e verá que coincidem. Extraordinário como o nosso cérebro tem tendência para ver apenas aquilo que está habituado a ver.

Sem dúvida que estamos perante uma ilusão óptica, sensações que os especialistas tentam justificar a partir das nossas estruturas oculares e mentais e também como elas se combinam.

Esta faculdade do Homem se enganar sobre as suas sensações visuais permite a valia da arte enquanto apreciadores das mais variadíssimas expressões artísticas que, caso a visão fosse completamente perfeita, não iria conseguir percepcionar as suas representações.

Penso que a figura seguinte é um bom exemplo do que acabo de dizer. Há a tendência para ver os círculos da direita afundados e os da esquerda salientes. No entanto, se virar as figuras ao contrário, com certeza que vai mudar de opinião. Aliás, a figura da direita é a mesma da esquerda, apenas foi invertida.


Experimente agora fazer um teste para verificar se realmente o seu cérebro está a ver o que realmente deverá ver. Na verdade deveria ver circunferências. No entanto, só vai acreditar no que não vê se, por exemplo, passar com um lápis sobre as linhas.


imagem retirada de Perelman,Yakov. Experiências e Problemas Matemáticos Recreativos II. EDITEC


Mas não é caso para se assustar, há quem fique ainda mais baralhado. O vídeo que se segue, inspirado nas ilusões de M. C. Escher, é um trabalho magnífico que testemunha o que acabo de dizer.



quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Divisão de unidades indivisíveis

Malba Taban, pseudónimo do professor e autor brasileiro Júlio César de Mello e Souza, falecido no ano em que nós, Portugueses, conquistámos a nossa liberdade de expressão(?), deixa-nos uma panóplia de fábulas matemáticas dando vulto àquilo que ainda muitos de nós deprecia. Um bom exemplo é o seu livro “O homem que sabia contar”, onde, entre muitas histórias, relata uma que destaco precisamente por conseguir glória no seio das tertúlias dos nossos avós. Prepare-se então para poder também participar num assunto que, lamentavelmente, já não serve de tema nas tertúlias de hoje.

Segundo reza a história, durante uma calorosa discussão entre três irmãos, eis que surgem dois amigos montados num camelo que não conseguiram evitar uma paragem para apaziguar tal discussão. A falta de entendimento entre aqueles homens devia-se ao facto de não conseguirem fazer a divisão da herança de seu pai – 35 camelos. Não havia forma de chegarem a um consenso.

Segundo a vontade expressa do falecido, metade da herança seria para o seu filho mais velho, uma terça parte para o filho Hamed e, finalmente, para o filho mais novo, Harim, resta a nona parte da herança.

O filho mais velho reclama, pois, 18 camelos, uma vez que metade de 35 são 17,5. Esta pretensão não foi aceite pelos outros irmãos, dado que o mais velho já leva a maior parte da herança. Hamed tendo direito a uma terça parte, 11 camelos e ainda mais de metade de outro, com toda a justiça acha que deve ficar com 12 camelos. Mas, Harim discorda completamente porque segundo a vontade de seu pai a nona parte da herança são quase 4 camelos. Dado ser ele o que menos recebe, então o mais novo reclama para si o benefício do arredondamento à parte inteira mais próxima.

É nesta altura que intervém Beremiz - o homem que sabia contar, dizendo que o que mais o incomoda é ver 3 irmãos a discutir um problema que é dos mais simples de resolver. Contra a vontade do seu companheiro de viagem, Beremiz fez questão em juntar à herança também o camelo em que eles se deslocavam, ficando, assim, 36 camelos para repartir pelos três irmãos.

Impávidos e já mais serenos, acreditando que se tratava de obra divina o aparecimento e a bondade de tal criatura, os três irmãos aceitaram que fosse Beremiz, com justiça, a fazer tal divisão.

Não havendo dúvidas que metade do conjunto de 36 camelos são 18, Hamed e Harim deixaram partir o seu irmão mais velho com o número de camelos que antes reclamara. Também Hamed ficou satisfeito, dado que uma terça parte de 36 era precisamente aquilo que ele pretendia, 12 camelos. Por fim, também Harim não se pode queixar, uma vez que a nona parte da nova herança dava-lhe direito a que ficasse com 4 camelos.

Concluindo, todos os irmãos saíram a lucrar com aquela divisão 18 + 12 + 4, fazendo um total de 34 camelos. Perante este facto o companheiro de viagem de Beremiz nem queria acreditar como era possível aquele entendimento e agora poderem prosseguir a sua viagem montados cada um em seu camelo.

Antes que o leitor se envolva também numa situação semelhante, sugiro que não se precipite em juntar o seu automóvel a uma possível herança. Em primeiro lugar reflicta sobre o sucedido neste caso dos camelos de modo a encontrar uma explicação para o ocorrido. Só assim ganhará o poder de se transformar também num Homem que sabe contar!


terça-feira, 4 de novembro de 2008

Operações vs algoritmos

Sempre foi assim, na escola, a primeira operação a aprender é adição e em segundo lugar a subtracção. Mas, o que é isto de aprender a subtracção? Ainda me lembro do meu pai me dizer que já sabia “fazer subtracções”, após eu ter feito uma “conta de menos armadilhada”. Digo armadilhada porque havia ordens em que o aditivo tinha valores menores que no subtractivo, o que elevava o grau de dificuldade para resolver aquele algoritmo.

Mas também há quem consiga efectuar a subtracção sem ter de recorrer a lápis e papel. E neste caso, quem faz o cálculo mentalmente, não pode ser reconhecido com a aptidão de “saber a subtracção”? Com certeza que estamos a falar de coisas distintas. Uma é o conceito da operação em si – a subtracção, outra é a técnica que utilizo para efectuar a operação - o algoritmo.

A Lucy é uma rapariga que recorreu a uma técnica interessante para fazer uma subtracção mas que, no início, baralhou a sua nova professora.
O algoritmo que apresentou foi o seguinte:
A professora admirada e tentando perceber o raciocínio da Lucy pediu-lhe que explicasse o que ali escreveu. A Lucy meio atrapalhada revelou que não tinha dificuldade em subtrair um número a outro que fosse maior. Mas, quando assim não acontece precisa de utilizar uma estratégia auxiliar, de modo a tornar compreensíveis os seus procedimentos. É o que acontece neste algoritmo nas ordens das dezenas e centenas.



Passou então a explicar:


Na ordem das unidades não tem problema, de 9 retiro 2, restam 7.

Na ordem das dezenas pretende-se retirar 6 a 2, o que não é possível. Mas retirar 6 é o mesmo que adicionar 4 e retirar 1 dezena. É isso mesmo que faço: 2 mais 4 são 6 e coloco a dezena para a poder retirar mais tarde.
O mesmo acontece em relação à ordem das centenas, pretende-se retirar 8. É o mesmo que adicionar 2 e retirar 1 dezena. Então, 3 mais 2 são 5 centenas e coloco novamente a dezena de centena para a poder retirar a seguir.

Finalmente, na ordem das unidades de milhar não há problema, a diferença entre 7 e 4 são 3. Resta agora retirar uma dezena de dezena e uma dezena de centena que foram adicionadas ao número, o que já não oferece dificuldade.



A professora, a partir de uma segunda explicação da Lucy, acabou por validar o seu raciocínio mas, convicta que se tratava de um processo muito mais complicado, tentou persuadir a aluna na utilização do algoritmo convencional.


A argumentação da aluna foi completamente convincente ao admitir que se tivesse de utilizar o algoritmo tradicional para fazer a subtracção, muito provavelmente se iria enganar porque não percebia os procedimentos deste algoritmo, embora se trate de uma aluna do 4º ano de escolaridade.

Assim, quando numa ordem o aditivo é menor que o subtractivo, então, só precisaria de fazer a adição do aditivo com o complementar do subtractivo. Note-se que o complementar de um número é a diferença entre a próxima potência de base 10 e esse número. Neste caso porque se tratam de números inferiores a 10, os pares (1,9), (2,8) (3,7) e (4,6) são complementares.
Levanta-se então a questão se o algoritmo utilizado pela Lucy não tem a mesma validade que o vulgar algoritmo da Subtracção.

Esta aluna revelou ter sentido do número, o reconhecimento do valor de posição e um bom domínio do conceito de subtracção. Mais, não se pode pedir.

A professora também aprendeu que o para o estabelecimento de uma relação forte entre professor/aluno, fundamental no processo ensino/aprendizagem, também passa por respeitar os próprios processos de cada aluno.

E o caro leitor, o conceito que tem de subtracção será que é suficiente para poder explicar quando diz “e vai um”, um quê? E porquê?

Dias depois, a mesma professora, após ter verificado os trabalhos de casa pediu ao Télen, novo aluno na turma - imigrante, que explicasse aos seus colegas outra forma de poder efectuar uma divisão.

O algoritmo utilizado no seu TPC era o seguinte:


Não quererá o leitor tentar interpretar o raciocínio do Télen?




sábado, 25 de outubro de 2008

Um plano, três pontos

Alunos mais fracos na disciplina de matemática ainda tentam justificar o seu insucesso por não verem utilidade prática nesta área de estudo para o seu futuro. No entanto, nas actividades mais recreativas, estes mesmos alunos, embora não o reconhecendo, acabam por quantificar e aferir os procedimentos envolvidos tendo em vista o objectivo de seleccionar o vencedor.

É, portanto, premente levar esses alunos a reconhecer a importância da matemática nas actividades do dia-a-dia. É também importante o reconhecimento do significado que algumas ideias e conceitos matemáticos poderão ter, como também é fundamental que, às aprendizagens adquiridas, lhes sejam atribuídas aplicação prática, de modo a que o aluno se aperceba da necessidade da fundamentação teórica para apropriação do conhecimento matemático.

A exemplo do que é dito, uma pergunta que poderá surgir do aluno: qual o interesse em saber que um plano fica definido apenas por três pontos?

Na verdade, este conhecimento matemático terá algum interesse prático senão servir como premissa de suporte a novos conceitos? Não quererá o leitor pensar num argumento convincente em como este conhecimento terá implicação directa nalguma aplicação prática do quotidiano?

É de notar que do conhecimento popular é sabido que a melhor opção para uma mesa que não oscile, é ter apenas três pernas.

domingo, 19 de outubro de 2008

Problemas com moedas

A resolução de problemas é reconhecida universalmente como sendo um item fundamental e de especial relevância nas aprendizagens. É indiscutivelmente um processo que promove o desenvolvimento do raciocínio e a construção de processos cognitivos de nível superior, como seja conjecturar, testar, validar, reflectir…

Mesmo assim, o conceito de problema ainda hoje não converge no seio da comunidade educativa. Tanto que, são vários os investimentos por parte de alguns matemáticos que se empenham na melhor definição deste conceito. Mas, partilhando a ideia de que um bom problema, entre outras características, deve ser interessante, desafiador, sem resposta imediata, mas cuja resolução seja possível por parte do resolvedor, contudo, nem sempre é possível reunir todas elas, pois existe uma comunidade de resolvedores muito heterogénea.

Serve de exemplo um problema de Brian Bolt, matemático que muito tem contribuído para motivar o interesse pela matemática. Trata-se de um problema desafiador que, caso o leitor já o conheça, deixará de ser um desafio, e por conseguinte, perderá algum do seu interesse natural.

“Disponha de oito moedas, como se indica na figura formando um quadrado com três moedas em cada lado.


Agora desloque quatro moedas para formar um quadrado com quatro moedas em cada lado!”

Por favor não continue a leitura enquanto não pensar um pouco na resolução do problema.

Este problema é normalmente classificado como sendo de tipo puzzle – não necessita de grandes conhecimentos para ser resolvido, a solução pode surgir num clique, a tal Eureka!

A disposição das moedas apresentada já é algo interessante e até poderia servir de solução a outro problema onde fosse necessário formar 8 soldados em 4 filas havendo apenas 3 soldados em cada fila.

O que poderia parecer impossível, por falta de 4 soldados, afinal, torna-se de fácil resolução se 4 soldados puderem ser contados duas vezes. Assim a disposição em quadrado, como na figura, seria a solução. O soldado que fica no vértice do quadrado será contado duas vezes.

A partir desta experiência torna-se mais fácil a descoberta da solução do problema proposto. Também neste caso para se obter um quadrado com 4 moedas em cada lado, e dispondo apenas de 8 moedas, só nos resta dispô-las de tal forma que cada moeda possa ser contada duas vezes, isto é, cada moeda tem que estar simultaneamente em dois lados.

Assim, basta deslocar as 4 moedas que se encontram no meio de cada lado e sobrepô-las nas moedas que formam os vértices. Temos assim 4 moedas em cada lado num quadrado formado por oito moedas. Interessante, não é?! Quando se sabe, é fácil!

Mas, tão fácil como esta resolução é também uma outra para o problema que apresento de seguida. Na minha opinião, trata-se de um problema dos mais fascinantes devido à facilidade com que pode ser resolvido mas, à primeira vista, parece ser impossível de resolver.

Imagine-se na situação de um condenado à morte que apenas tem uma só noite até à sua execução. Na masmorra onde está preso não entra qualquer luz. Os soldados visitam-no pela última vez para lhe transmitirem a decisão que o imperador tomou por influência do povo, uma vez que sabiam que você era um bom resolvedor de problemas.

Um soldado lê o comunicado: como podes verificar, ficam aqui na mesa 40 moedas. Apenas 18 destas moedas estão viradas com a cara para cima. Se amanhã quando te viermos buscar, as moedas estiverem divididas em 2 grupos, de forma que os 2 grupos tenham o mesmo número de moedas com a cara virada para cima, então, não serás executado.

Os soldados saem, fecham a porta, e fica completamente escuro sem ter qualquer possibilidade de ver as moedas.

O que faria para não ser executado?

Nota: O desgaste das moedas não lhe permite através do tacto identificar a cara ou a coroa da moeda. Caso não encontre a solução de imediato, sugiro que tente reduzir o problema a uma situação mais simples simulando-o com poucas moedas.


sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Números primos

Não é novidade para ninguém, o facto de haver números primos. Pelo menos na escola já ouvimos falar em tais números. Grande parte das pessoas não se lembra o que estes números têm de especial para que justifiquem o nome de “primos”. De facto, são tão especiais que se tivermos um número primo de pessoas não as conseguimos dividir em grupos com o mesmo número de elementos, tendo em conta que, cada grupo deverá ficar com pelo menos duas pessoas.

Na matemática diz-se que o número primo só admite dois divisores: o um e ele próprio. Também no universo dos números naturais o primeiro primo tem uma característica que mais nenhum tem – é par, todos os outros são ímpares. Porque será?

Procurando então os números que não se deixam dividir por outro número senão por um e por ele próprio, temos: 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23, 29, 31, 37, 41, 43, 47, 53, 59, 61, 67, 71, 73, 79, 83, 89

Para além da decomposição de um número em factores primos, que se aprende na escola, será interessante constatar que qualquer número par (excepto o dois) é a soma de dois números primos. Este poderá ser um desafio interessante: descobrir um número par, maior que dois, que não seja a soma de dois números primos. É garantido que se o leitor descobrir esse número (é possível que isso aconteça uma vez que ainda ninguém conseguiu demonstrar o contrário), o seu nome vai ficar na história da matemática mesmo que ainda não tenha ganho grande afinidade com esta ciência. Esse feito iria conseguir refutar a conjectura que já dura quase há 300 anos cujo autor é Christian Goldbach.

Mas, se isso der muito trabalho pode ainda procurar fama na descoberta de um processo que produza a sequência de números primos. Por exemplo, a partir da sequência de números primos acima apresentada, como poderemos descobrir o próximo número primo (97)?

Para facilitar o trabalho posso adiantar uma particularidade que se verifica neste tipo de números: se a qualquer número primo maior que 3, retirarmos um e dividirmos por seis e não der resto zero, então adicionamos um e dividido por 6 dá de certeza resto zero. Será que esta regularidade acontece com todos os números primos? Isto é, qualquer número primo (excepto o 2 e o 3) existe na forma 6n±1?

Também se pode constatar que existem números primos na forma 4n+1. Da nossa lista destacam-se: 5, 13, 17, 29, 37, 41, 53, 61, 73, 89. Estes números têm a particularidade de serem a soma de números quadrados: 5=1+4, 13=4+9, 17=1+16, 29=4+25, 37=1+36… Será que é sempre assim? Isto é, qualquer número primo na forma 4n+1 é a soma de dois números quadrados?

Para além destas particularidades dos números primos também se constata que entre números quadrados consecutivos existe sempre pelo menos um número primo. Pelo menos na lista dos números primos menores que 100, não há dúvidas que isso aconteça: 1, 2, 3, 4, 5, 7, 9, 11, 13, 16, 17, 19, 23, 25, 29, 31, 36, 37, 41, 43, 47, 49, 53, 59, 61, 64, 67, 71, 73, 79, 81, 83, 89, 97… Será que é sempre assim?

Parece-me que estas particularidades nestes números podem ajudar na descoberta de novos números primos… então, mãos à obra! E, já agora, consegue descobrir os números que estão escondidos pelas letras A, B, C, e D no esquema seguinte?


quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Pitágoras, não só para quadrados

É do conhecimento profissional do pedreiro fazer uma esquadria sem que no entanto tenha um esquadro. Quando confrontei um pedreiro meu amigo com esta situação, de imediato referiu: “60, 80 e 100 é quanto preciso para fazer uma esquadria”.

No entanto, ficou surpreendido ao saber que os pedreiros de antigamente conseguiam a mesma proeza mas, sem fita métrica. Uma corda seria o bastante para traçarem duas linhas perpendiculares para que, a partir daí construíssem duas paredes a fazerem entre si 90 graus. A técnica consistia em dar nós na corda à mesma distância uns dos outros de modo a obter doze comprimentos iguais.



Depois bastava formar com a corda um triângulo de modo a ter nos lados 3, 4 e 5 unidades de comprimento. O maior ângulo do triângulo que se obtém é de 90 graus. Trata-se, portanto, de um triângulo rectângulo.

É interessante a observação que esse meu amigo fez sobre a relação entre estes números e os que ele utiliza. Ele próprio disse: “ eu estava a pensar em centímetros mas, se considerarmos decímetros é o mesmo que 6, 8 e 10 que são precisamente os dobros do trio 3, 4 e 5”. Também o terno 9, 12 e 15 dá origem a um triângulo rectângulo a diferença está apenas nas suas dimensões.

Aos conjuntos de três números com a particularidade de expressarem as medidas de um triângulo rectângulo são conhecidos por ternos pitagóricos, dado que, a soma dos quadrados dos lados menores (catetos do triângulo) é igual ao quadrado do lado maior (hipotenusa do triângulo). A interpretação geométrica pode ser traduzida pela seguinte figura:
Fica então o desafio para a descoberta de outros ternos pitagóricos que não sejam múltiplos dos anteriores nem dos do exemplo seguinte: 8, 15 e 17 [8^2+15^2=17^2]

Mas, o produto de um quadrado pelo nobre irracional transcendente “pi” dá origem a um círculo cujo raio é o lado desse quadrado. Então, na igualdade de Pitágoras, neste caso, 3^2+4^2=5^2 podemos criar uma nova igualdade com um novo significado: pi3^2+pi4^2=pi5^2

Se os lados do triângulo rectângulo forem raios de círculos, poder-se-ão relacionar de acordo com a descoberta de Pitágoras. Assim, pode-se concluir que a área do semicírculo construído sobre a hipotenusa de um triângulo rectângulo é igual à soma dos semicírculos construídos sobre os seus catetos. Interpretando esta frase geometricamente, temos: a = b + c

Então, que relação se pode estabelecer entre as lúnulas x, z e o triângulo y?




sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Descubra o seu algarismo da sorte


Um caldo de números e operações é o bastante para se aperceber que qualquer pessoa é vulnerável, não tendo qualquer importância o grau de superstição que a afecta. Se quiser fazer a experiência terá que seguir apenas as indicações que eu vou dando. Garantidamente, vai ter a possibilidade de confirmar se o seu algarismo da sorte, para este ano, será aquele em que você pensa que é.

Atenção que se trata de uma experiência que só resulta com adultos. Para isso, vai ser necessária qualquer coisa que escreva, e onde escreva. Peço ainda que não se engane nas instruções que lhe vão ser dadas.

Então vamos lá. Escreva a sua idade. Pense agora num algarismo (de 1 a 9), aquele que julga ser o seu algarismo da sorte. Lembro que o seu algarismo da sorte, para este ano, nunca poderá ser igual aos algarismos da sua idade.

Junte esse algarismo à sua idade, à esquerda se for canhoto, ou então, à direita se for destro.

Inverta o número, isto é, escreva o número pela ordem contrária. Neste momento deverá ter escrito dois números de três dígitos.

Encontre a diferença entre eles (ao maior número, subtrair o menor).

Ao número que obteve troque de posição o algarismo da esquerda com o algarismo da direita. A este novo número adicione-o à diferença obtida.

Neste momento deverá ter obtido um número formado por quatro algarismos. Já só tem que adicionar esses algarismos e guardar mentalmente o número obtido.

Agora, a partir do início do texto (sem contar com o título), só tem que contar o número de palavras correspondente ao número que tem guardado na mente.

Se encontrou a palavra NÃO, parabéns! Quer dizer que não se enganou e, sendo assim, o algarismo que escolheu é de certeza, até ao seu próximo aniversário, o algarismo no qual deve apostar.

Sabe que pode ter mais que um algarismo da sorte? Tente encontrar uma justificação para o fenómeno matemático que o leva a descobrir todos os seus algarismos da sorte.



quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Teorias modernas

Com certeza que também já foi confrontado com aquele desafio muito antigo onde se pretende desenhar o envelope aberto sem levantar o lápis e sem passar novamente pela linha já traçada.



Um amigo meu, há dias, disse-me que se tivéssemos que desenhar o envelope fechado já não seria possível desenhá-lo. Por que será?

Será que este desafio também tem algo a ver com matemática? Claro que tem, e aqueles que se moveram pela sua resolução, só revela que também têm o gene da “essência matemática” – talvez não tenham descoberto ainda isso.

Esta situação é semelhante a outra muito conhecida que, já no séc. XVIII, fez perder muito tempo a Leonhard Euler na sua resolução – as pontes de Königsberg. Esta cidade é atravessada pelo rio Pregel que devido à sua ramificação dá origem à ilha Kneiphof (para a visualizar no Google Earth, pesquise por Kaliningrado). Esta ilha estava ligada à cidade por pontes onde os habitantes, durante os seus passeios, tentavam procurar o percurso que lhes dava a possibilidade de passar por todas elas, uma e apenas uma vez.


Esquema da cidade de Königsberg, antiga capital da Prússia
(Imagem retirada do site de Adérito Araújo, Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra - http://www.mat.uc.pt/~alma/escolas/pontes/)


Euler acabou por resolver o problema, provando que não é possível traçar esse circuito. E é talvez a partir do raciocínio deste matemático que se fez luz para o desenvolvimento de um novo ramo da geometria que, não considerando as dimensões da figura, analisa a ordem da disposição e a relação entre os vários elementos dessa figura – Teoria dos grafos.

A exemplo do que é dito, os esquemas que se seguem, embora diferentes, têm a mesma importância para o tipo de análise que se pretende fazer, representam a mesma coisa, neste caso, as pontes de Königsberg. As linhas (arestas do grafo) representam as pontes e os pontos (vértices do grafo), as regiões onde as pontes vão ligar.

À semelhança do desafio do envelope, também aqui se pretende desenhar a figura sem se poder levantar o lápis, a menos que as pessoas se pudessem deslocar pelo ar, mas naquela altura ainda não havia helicópteros. Também não se pode passar novamente numa linha já traçada - os habitantes de Königsberg não queriam passar mais do que uma vez na mesma ponte.

Já são muitas as actividades económicas que recorrem a este ramo da matemática tendo em vista maior rendibilidade nas suas acções. É o exemplo do vendedor ambulante que pretende visitar todos os seus clientes fazendo o menor percurso possível, a distribuição do correio, ou a elaboração do plano do circuito das carreiras urbanas de uma cidade.

Esta nova área da matemática tem vindo a ganhar importância devido ao seu enorme potencial de aplicações. No entanto, é pena que a escola ainda não lhe tenha reconhecido essa importância para a incluir nos seus currículos de escolaridade obrigatória. Assim, para além do gozo pessoal que se pode ter na descoberta da solução do desafio do envelope, importa saber também de que forma se poderá sistematizar o conhecimento para que rapidamente se possa decidir sobre a possibilidade ou não da resolução de qualquer figura.

Fazendo uma análise um pouco mais cuidada sobre esta situação damos conta que, ao traçar um circuito ininterrupto, quando se chega a um vértice (ponto) é necessário sair de lá. Então, se a todos os vértices afluírem um número par de arestas (linhas), é possível a sua resolução, uma vez que em cada vértice há uma entrada e uma saída. Mesmo que se escolha um vértice para partir, desde que ele seja par, fica garantida uma aresta para a chegada, o que se conclui que o vértice de partida também terá que ser o de chegada.

Pode, no entanto, ainda ser traçado um circuito ininterrupto com partida num vértice e com chegada noutro vértice. Neste caso, os vértices de partida e chegada terão de ser ímpares, ou seja, concorrem nele um número ímpar de arestas, em que, a aresta que não tem par serve de partida ou de chegada. Portanto, ainda há a possibilidade da figura ter vértices ímpares (pontos onde afluem um número ímpar de linhas) mas, neste caso terão de ser dois.

Reúnem-se, agora, as condições para opinar sobre quais as pontes que deveriam ir abaixo de forma a que os habitantes de Königsberg pudessem, nos seus passeios, visitar todas elas uma só vez. Claro que se não houver problemas de orçamento poder-se-ia pensar antes na construção de novas pontes. Não quererá dar uma sugestão onde poderá ser construída uma ponte para poder satisfazer as pretensões dos habitantes daquela cidade?

Voltando ao desfio do envelope, já poderemos dar uma opinião sobre a sua resolução: por que razão não é possível traçar um circuito ininterrupto, de modo a obter o envelope fechado?



domingo, 7 de setembro de 2008

Uma questão de tempo

De há muito que o nosso povo se distingue pela sua capacidade de improvisação e criatividade até mesmo inventiva. Numa plateia, com o objectivo de aferir a criatividade e capacidade argumentativa do público, foi lançado o desafio para que cada pessoa respondesse por escrito tentando encontrar uma justificação para o fenómeno que se apresenta:

Um avião que habitualmente faz carreira entre a cidade A e a cidade B demora uma hora e vinte minutos quando se descola da primeira para a segunda cidade. Mas, quando faz o percurso inverso demora oitenta minutos. Encontre razões que justifiquem o sucedido.

Foram variadíssimas as respostas dadas. O vento, o movimento de rotação do planeta, a mudança de fuso horário foram alguns dos factores que serviram de justificação para a compreensão do fenómeno.

No entanto, poucos foram os interlocutores que deram a resposta que deveria ser evidente. Coloca-se então a questão, porque será que apenas uma minoria da plateia utilizou o conhecimento matemático mais básico, mas suficiente, para dar resposta a uma situação do mais trivial que existe? Espero que o caro leitor pertença a essa minoria que reconhece uma hora e vinte minutos como sendo o mesmo que oitenta minutos não havendo, portanto, necessidade de justificar qualquer fenómeno.

É interessante o próprio leitor fazer este teste com outras pessoas. Vai verificar que é isso mesmo que acontece, a maioria das pessoas esquece que o sistema de numeração a que estamos habituados (sistema decimal), não é usado habitualmente para fazer contagens de tempo. No caso desta grandeza, as contagens deixam de ser feitas em agrupamentos de dez para serem feitas em agrupamentos de sessenta (sistema sexagesimal). Daí ficarmos um pouco baralhados.

Trata-se de uma influência da civilização Babilónica que se expandiu na região que hoje conhecemos por Iraque e que remonta a um período que poderíamos considerar simétrico aos dos nossos dias seguindo a linha cronológica que nos serve de referência.

À semelhança do que acontece com as horas, também as coordenadas geográficas se expressam de acordo com a herança dos antigos babilónios. Será que é capaz de encontrar outro exemplo onde ainda usamos esta influência babilónica?


terça-feira, 2 de setembro de 2008

Dados da sorte

A conjuntura económica que assola os nossos dias coloca-nos numa posição que nos faz reflectir sobre o futuro. No jornal Público já foi proposto um desafio por Eduardo Veloso e José Paulo Viana que é, sem dúvida, uma mais-valia para quem tiver que recorrer a outros rendimentos extraordinários. Aproveitando esta ideia, qualquer pessoa com um pouco de audácia poder-se-á tornar num invejável ganhador de apostas, seduzindo mesmo aqueles que se julgam mais finórios.

Considere-se, então, 4 dados cujas faces têm um número de 0 a 6:


Dado Azul – 0, 0, 4, 4, 4, 4;

Dado Branco – 1, 1, 1, 5, 5, 5;

Dado Castanho – 2, 2, 2, 2, 6, 6;

Dado Dourado – 3, 3, 3, 3, 3, 3.

Pretende-se que cada um dos apostadores escolha um dado. Depois de cada apostador lançar o seu dado, ganha um ponto aquele que obtiver maior valor acusado pelo seu dado. No final de 20 lançamentos, por exemplo, aquele que obtiver maior número de pontos arrecada o dinheiro em jogo.

Imagine que vai jogar comigo. Dou-lhe a oportunidade de escolher o dado com que quer jogar. Vamos imaginar que escolhe o dado azul. Assim, eu escolho o dado branco.

Sabendo que cada dado tem 6 faces, há portanto 6x6=36 casos possíveis. Na tentativa de clarificar esta situação, identifiquemos as faces de um dado (cubo 1), com as letras A, B, C, D, E e F e as faces do outro dado (cubo 2), com as letras a, b, c, d, e e f. Os casos possíveis encontram-se identificados na tabela seguinte:



No caso dos dados envolvidos serem o azul e o branco, o dado branco – o meu dado, pontua quando se obtém a dupla 0-1 (2x3=6 possibilidades), a dupla 0-5 (2x3=6 possibilidades) ou ainda a dupla 4-5 (4x3=12 possibilidades), o que perfaz 24 casos favoráveis em 36. Quer então dizer que provavelmente irei ganhar.

Mas, sabendo que o dado branco é mais vantajoso que o azul, provavelmente iria escolher em primeiro lugar o dado branco. Neste caso, eu escolheria o dado Castanho. Agora, os casos favoráveis para o dado branco é a dupla 2-5 o que corresponde a apenas 12 casos favoráveis (3x4=12) restando, novamente, 24 casos favoráveis para o meu lado. Quer isto dizer que, tal como na situação anterior, terei a mesma probabilidade de ganhar.

Perante este facto, estou convicto de que o dado castanho passaria a ser a sua preferência. Se assim fosse, eu escolheria o dourado. Neste caso, os casos favoráveis ao dado castanho é quando sai apenas a dupla 3-6, correspondendo apenas a 12 casos favoráveis (2x6=12), contra, uma vez mais, os meus 24 casos favoráveis. Quer isto dizer que, com a mesma probabilidade, muito provavelmente, eu iria ganhar.

Afinal, o significado do dourado talvez tenha todo o seu peso na escolha do dado ganhador. Assim seja, nesse caso, se escolhesse o dourado, eu escolheria o azul. Será que continuo a fazer uma boa escolha? Estou convencido que iria ganhar novamente…

domingo, 24 de agosto de 2008

Duplicação do quadrado

Um aluno do 9º ano e o outro do 4º ano foram confrontados com o seguinte desafio:

“A partir do quadrado que é dado, desenha outro que tenha o dobro da área. No final, faz um registo daquilo que te possa ocorrer sobre o teu trabalho.”


O aluno do 9º ano começou por traçar um quadrado tendo de lado o dobro do comprimento, mas facilmente se apercebeu que não estava a obter o que desejava.

Recorreu a uma régua e concluiu que a área do quadrado pedido teria que ter 8 centímetros quadrados. Com a ajuda da máquina calculadora e utilizando a operação de radiciação decidiu construir um quadrado com 2,8cm de lado.

O seu registo final: “Não é possível desenhar um quadrado exactamente com o dobro da área do quadrado que é dado, uma vez que é necessário ter de lado um comprimento que não é possível medir (número irracional, sendo neste caso 2,82842712…). Assim, o quadrado que tracei tem um valor muito próximo do que é pedido: 2,8x2,8=7,84 centímetros quadrados”.

O aluno do 4º ano seguiu o mesmo erro do aluno com maior escolaridade, no entanto, também ele deu conta que obteve um quadrado com o quádruplo da área em vez do dobro, como era pedido.

Depois de várias tentativas, o aluno revela incapacidade de resolver aquilo que inicialmente lhe parecia muito fácil. É então aconselhado a simular um geoplano podendo mesmo aproveitar o quadrado como unidade para a representação da malha quadrangular. Este aconselhamento foi o suficiente para que o aluno tivesse ganho novo entusiasmo neste desafio.

Desenhou então:

Uma nova ajuda foi necessária para que o aluno escolhesse uma unidade de área que o facilitasse na construção do quadrado pedido. A partir daí já não foi muito difícil concluir que, o quadrado pretendido deveria ter quatro unidades de áreas dado que o quadrado inicial teria 2 u.a. (2 triângulos).

Com alguma perseverança lá conseguiu construir o quadrado pretendido:


Confrontado com a mesma dificuldade com que todos os alunos deste nível de ensino revelam, foi difícil fazer com que o aluno reflectisse um pouco sobre o seu trabalho e conseguisse algum registo. Após análise orientada sobre o trabalho produzido, o aluno acaba por escrever: “Gostei desta actividade porque percebi que não deveremos desistir. Afinal só temos é que pensar um pouco. Com este desafio aprendi ainda que a diagonal de um quadrado e o lado de outro quadrado com o dobro da área têm o mesmo comprimento.”

Importa então reflectir sobre a competência matemática destes alunos. Em qual dos casos será maior ou, tenha havido uma maior apropriação dessa competência?

O desenho seguinte resultou de uma actividade de desenvolvimento que pretendia a elaboração de uma figura composta apenas por quadrados. O único requisito é que qualquer quadrado na figura teria de lá ter o seu sucessor ou antecessor, isto é, o quadrado com o dobro ou com a metade da sua área.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Quanto mais depressa, mais devagar...

Um aluno meu justificou o seu atraso à aula de matemática com a seguinte argumentação:
"habitualmente venho para a escola de bicicleta, mas hoje, à mesma hora, aceitei boleia de automóvel do meu vizinho. Fiquei convencido que iria chegar mais cedo uma vez que o carro anda quatro vezes mais depressa que a bicicleta. No entanto, a três quartos do percurso acabou-se a gasolina e tivemos que vir a pé. Ora, como a pé ando quatro vezes mais devagar que de bicicleta, acabei por chegar atrasado".

Não parece ser absurda esta argumentação para justificar os 6 minutos de atraso? Então, o tempo que veio a pé, apenas um quarto do percurso, não chegou a ser compensado pelo tempo que veio de automóvel? Caso fosse eu a ter a mesma infelicidade, não tenho dúvidas que esta argumentação não servia de nada, mesmo que tivesse feito mais de metade do caminho a pé. A única possibilidade para justificar a falta seria apresentar um atestado médico, mas não do automóvel, como se poderá pensar...

No caso do aluno, por me parecer ridículo e sem sentido a mesma exigência, após a análise à sua argumentação, não tive alternativa senão ter de a aceitar. Recomendei-lhe no entanto, o tempo que deveria considerar para sair de casa com antecedência, no caso de sair de bicicleta e no caso de sair a pé.

Por que razão foi aceite a argumentação do aluno e quais os tempos que teriam sido recomendados para sair de casa com antecedência de modo a ser pontual?

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Sinal de perigo

São muitos os casos em que, na estrada, aparecem sinais de trânsito com informação que exige conhecimento matemático.

Também eu, quando tive de me preparar para o exame de condução, dei conta que um sinal triangular sugerindo uma descida e, acompanhado por um valor percentual, dá a indicação de uma situação de perigo devido à inclinação da descida que se aproxima ser demasiado acentuada. Por vezes, até é acompanhado de um painel adicional dizendo: “trave com o motor” ou “teste os travões”.

Imagine-se no ponto A da figura . Na sua opinião, que ponto ligaria ao ponto A para obter um declive que se aproxime daquele que é indicado no sinal de trânsito (10%)? E se o declive fosse de 100%, qual seria o ponto a ligar a A?

Proposta de resolução


quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Desidratação

Imagine-se uma melancia com 1kg e atente-se na seguinte questão:


Apenas 1 por cento da massa da melancia é sólida, os outros 99 por cento são água. A melancia é posta ao sol e desidrata-se. Passa a ter apenas 98 por cento de água. A pergunta é: quanto pesa agora a melancia?
retirado de Crato, N. (2008). A Matemática das Coisas. Lisboa: Gradiva


Antes de fazer cálculos, será que é capaz de fazer uma estimativa do peso da melancia? Agora confirme a sua estimativa, mas se o resultado for superior a novecentos gramas, cometeu um erro de cálculo ou de interpretação. Se for o caso, tente de novo. Garanto-lhe que é um valor inferior a seiscentos gramas.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Áreas e perímetros com abelhas

Penso que é indiscutível como a abelha é talvez o insecto mais apreciado pelo homem. Devido à sua importância na Natureza como também pelo papel que assume em servidão do próprio homem.

E pela sua inteligência, será que também é admirada? Atendendo ao tamanho do seu cérebro nem sequer se pode equacionar se é um ser pensante. No entanto, o seu trabalho revela estratégia e com objectivos bem delineados.

Do ponto de vista matemático, quem será capaz de fazer um hexágono regular sem ter pelo menos um compasso? Tenho a certeza que a abelha não o utiliza, mas os hexágonos que produz na construção dos favos é sem dúvida uma obra que resultando de um trabalho cooperativo, demonstra muita articulação e com resultados surpreendentes.

E por que será que o hexágono é o polígono de eleição onde as abelhas se inspiram no fabrico dos seus favos? Tratando-se de polígonos regulares, o hexágono é um dos três únicos polígonos que consegue pavimentar. Quer isto dizer que os polígonos encaixam perfeitamente uns nos outros sem que haja espaços entre eles, a não ser que, sejam outros hexágonos regulares.

Mas, optando por um polígono regular, porque não o triângulo equilátero ou o quadrado? Também estes pavimentam. No caso do quadrado, até me parece ser um polígono mais equilibrado e até mais fácil de construir.

É espantoso porque é que a abelha “escolheu” o hexágono em desfavor destes polígonos. Parece-me uma “escolha inteligente”. Claro que nem é uma escolha, não acredito que alguém, por mais divino que seja, desse a escolher entre o triângulo, o quadrado e o hexágono.

Se a si, não lhe parece uma “escolha inteligente”, então experimente pegar em três folhas de papel, iguais, e com palitos do mesmo tamanho, simule em cada folha os favos com hexágonos, outra com triângulos e outra com quadrados. É surpreendente não é? Onde é que gasta menos palitos?


Para ver a "Matemática das abelhas": http://br.youtube.com/watch?v=aLYVifotd-o


quarta-feira, 30 de julho de 2008

O papel que usamos…

Por exemplo, na designação da folha A4, que significado terá o índice 4 para identificar a folha de papel que habitualmente mais usamos?

Sabe-se que ao juntar duas folhas A4 pelo lado maior se obtém uma folha A3 e, juntando duas folhas A3 pelo lado maior obtém-se a folha A2, tornando-se evidente a reconstituição da folha A0 (fig.1). A figura mostra a decomposição da folha A0, e percebe-se que a área da folha A0 é 2 vezes maior que a área da folha A1, 4 vezes maior que a área da folha A2, 8 vezes maior que a área da folha A3, 16 vezes maior que a área da folha A4, …

Quer dizer então, que se for feita uma dobra na folha A0 obtém-se a folha A1, se forem feitas 2 dobras sucessivas (dobra sobre dobra) obtém-se a folha A2, se forem feitas 3 dobras sucessivas obtém-se …

A construção de uma tabela poderá ajudar a clarificar as relações que existem entre as folhas:


Mas os números 1, 2, 4, 8, 16,… não são mais que potências de base 2 (dois elevado a zero, dois elevado a 1, dois ao quadrado, dois ao cubo, dois elevado a quatro...).

Também podemos ser levados a concluir, ao contrário do que se possa imaginar, que o dobro de 2 elevado a dezasseis é... (será que chegou a pensar em 2 elevado a trinta e dois?)

Considerando como unidade de medida o milímetro, verifica-se que a folha A0 tem de comprimento 1189 e de largura 841.Mas não seria mais sensato escolher outros números mais redondos para as dimensões da folha padrão?

Sobre a folha A0 é possível traçar 1189x841=999949 quadrados com 1 milímetro de lado, um valor muito próximo de 1 000 000 o que equivale a um metro quadrado.

Por outro lado, dividindo a folha A0 pelo seu menor eixo de simetria, obtém-se duas folhas que parecem ser semelhantes à folha que lhes deu origem. Esta característica torna este rectângulo distinto em relação ao quadrado que, embora com a possibilidade de ter exactamente um metro quadrado, mas quando dividido ao meio, não goza da mesma particularidade do rectângulo A0.

A razão entre o comprimento e a largura de qualquer folha com uma aproximação a menos de uma centésima é 1,41, o que nos leva a concluir, a partir do inverso desta razão, a largura de qualquer folha da família A é aproximadamente 71% do seu comprimento.
A importância desta característica nas dimensões das folhas desta família permite com que não haja desperdício de papel quando se pretende fazer, por exemplo, uma ampliação de uma figura em formato A4 para formato A3 ou uma redução de uma A4 para uma A5.

É pena que nem todos os operadores de máquinas de fotocopiadoras saibam qual é a percentagem que corresponde à redução de uma folha para outra de índice superior. Nalguns casos, é a partir da experiência por tentativa e erro e, com o nosso contributo, que por ignorância, acabamos por pagar as fotocópias do erro em vez de fornecer o valor da percentagem correcta para obtermos o resultado desejado. Uma vez mais, a falta de conhecimento a implicar desperdício de papel em desfavor do ambiente.

Será então possível outros números, mais redondos, para o rectângulo que tenha de área 1 metro quadrado e, que, quando dividido ao meio pelo seu comprimento, se obtenha dois rectângulos semelhantes ao primeiro? Se o conseguir, o seu nome vai passar a ser uma referência histórica.
A tabela seguinte dá-nos conta das dimensões das folhas An, em milímetros e sempre com números inteiros:


Será que é capaz de descobrir as dimensões das folhas A8, A9 e A10?
Outras perguntas poderão surgir tendo em vista o desenvolvimento ou aquisição de novos conceitos ou ainda, para a produção de mais matemática:

· Em quantos rectângulos fica dividida uma folha A0 ao fim de 10 dobras sucessivas?

· Quantas folhas A10 são necessárias para cobrir uma folha A0?

· Um dos indicadores da qualidade do papel é designado habitualmente por “gramagem” e expressa-se em gramas por metro quadrado. Qual será o peso de uma resma de papel A4 de 80g/(mxm)? E de uma só folha A4? E de uma folha A0?

· Com 5 folhas A0 produziu-se um prisma cuja base é um rectângulo A7 e de altura 6,4cm. Qual é a espessura da folha A0? Quantas dobras sucessivas (dobra sobre dobra) são necessárias dar numa folha com essa espessura para que se obtenha uma altura superior à da Torre Eiffel (317m)?