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domingo, 19 de abril de 2009

Divisão chinesa?

A pluralidade cultural é, sem dúvida, um dos aspectos mais positivos em resultado da migração humana. Há dias, quando visitava a Escola do 1º ciclo de Mação, a professora que dá apoio a uma criança chinesa procurou o meu parecer acerca da interpretação de um algoritmo feito por esta aluna. Tratava-se do algoritmo da divisão.

Será o algoritmo da divisão chinesa? O conhecimento que a criança tinha da língua portuguesa, já que eu não enxergo nada em chinês, não permitiu a comunicação de modo a chegar a essa conclusão. No entanto, sendo a matemática uma linguagem universal, fica-nos o registo desta criança que tentarei relatar.

Trata-se de uma técnica muito parecida com o nosso algoritmo tradicional da divisão, mas que, no meu entender, as suas diferenças potenciam uma melhor compreensão do processo de dividir.

Por exemplo, no caso de querer dividir 2586 por 8, o seu aspecto poderá ser o seguinte:

clip_image002

Ou ainda, no caso da aluna que tinha ainda a necessidade de registar as subtracções ao dividendo dos múltiplos de 8 que ia efectuando:

clip_image002[5]

Pelo algoritmo, damos conta que o quociente é 323 e ainda restam 2, que ficam por dividir por 8 (divisor). Assim, simbolicamente poder-se-á escrever:

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Na verdade, o procedimento é muito idêntico ao algoritmo indo-árabe a que estamos habituados. Apenas a disposição do divisor e do quociente mudam. Mas a opção de colocar o quociente por cima do dividendo permite interpretar, em qualquer momento do processo algorítmico, o valor de cada algarismo do quociente, uma vez que respeita sempre o seu valor de posição, tendo como referência o dividendo. Por outro lado, reduz a possibilidade de engano enquanto se fazem cálculos intermédios.

Trata-se de uma vantagem para aqueles mais desenvoltos no cálculo mental, permitindo adaptar o algoritmo às suas capacidades de forma a torná-lo mais rápido ou, eventualmente mais lento, se não tiver tão presente o domínio da tabuada.

Vejamos o seguinte exemplo da divisão de 7132 por 15:

(a)

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Para quem se sujeita, com frequência, a experiências de cálculo mental, não é difícil reconhecer imediatamente que 15x4=60 e por conseguinte, se a multiplicação fosse feita por 40, então obter-se-ia 600 em vez de 60. Neste caso, e porque se conseguiu aproximar de 713 dezenas, então dever-se-á ter o cuidado de colocar o número 40 na posição correspondente às dezenas. Basta respeitar o valor de posição, o zero do 40, por cima do algarismo três do 713.

(b)

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Subtraindo as 600 dezenas, verifica-se que restam 113 que, afinal, ainda poderão ser divididos por 15. Se eventualmente insistir na ideia que o quádruplo de 15 é 60, então posso continuar com o algoritmo:

(c)

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Verifica-se que ainda restam 53 dezenas. Teria agora a opção de proceder de forma idêntica. Ainda é possível formar nesta quantidade 3 grupos de 15. Mas, se juntar as duas unidades que faltam, e se o meu cálculo mental permitir reconhecer que 15x30=450, então poderei avançar desta forma:

(d)

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Restam 82 unidades, portanto, ainda se pode formar 5 grupos de 15 (15x5=75). Assim, temos:

(e)

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Finalmente, chega-se à conclusão que fazendo a divisão inteira de 7132 por 15 é possível formar 40 dezenas, mais 4 dezenas, mais 30 unidades e ainda mais 5 unidades de grupos de 15, e ainda restam 7 unidades.

Assim, sugere-se a finalização do algoritmo determinando a soma das partes do divisor:

(f)

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Outra vantagem que vejo neste algoritmo, é no caso de se pretender determinar a divisão exacta, bastar acrescentar a vírgula ao dividendo e, para a direita dela, o número de ordens que se desejam envolver no cálculo. O mesmo já não acontece com o “nosso” algoritmo, dado que o registo do divisor limita esse procedimento o que poderá, nalguns casos, ter de se reiniciar a divisão com o cuidado de criar espaço para esse fim.

Havendo agora a necessidade de assimilar um pouco esta técnica para dividir, fica também lançado o repto aos leitores para a apresentação de sugestões de como dividir, com este algoritmo, números decimais.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Base dez

O nosso sistema de numeração é decimal porque a organização e a representação do número recorre a agrupamentos de 10. Para facilitar as contagens, o homem começou por fazer grupos de 10, quem sabe, talvez, por influência do número de dedos que tinha nas mãos. Quando temos 10 grupos de 10 forma-se novo conjunto. Da mesma forma, quando se obtém 10 destes novos conjuntos de 10 grupos, tendo cada grupo 10 elementos, obtém-se um grande conjunto de 10x10x10 elementos, e assim sucessivamente.

Este padrão repetido infinitamente pode ser adaptado a um padrão geométrico que tomando qualquer um daqueles conjuntos como unidade, pode ser dividido de tal forma que cada uma das partes é semelhante à unidade inicial. Esta noção representada geometricamente leva-nos a um novo conceito geométrico mais abstracto que, à escala da história da matemática, poder-se-ia considerar ainda em fase de gestação – os fractais.

Mas a ideia dos agrupamentos de dez quero aproveitá-la para noções matemáticas mais concretas. Para ser mais claro, sugeria o exemplo de uma fábrica que produz caramelos. Nessa fábrica decide-se fazer conjuntos de 10 caramelos, em tubos, para poderem ser vendidos ao público. Imaginando que o sr. Rodrigo tem consigo 34 caramelos, logo, deve ter 4 tubos, 3 cheios e ainda outro com 4 caramelos. Também é fácil de perceber que pretendendo comprar 80 caramelos, vai ter que levar 8 tubos para casa. Fácil, não é?

No entanto, no armazém que vende a retalho, os lojistas não podem comprar tubos, mas sim caixas de caramelos. Cada caixa traz 10 tubos de caramelos. Compreende-se assim, que o sr, António precise de ter na sua loja 5 caixas para poder alojar 46 tubos de caramelos, 4 caixas cheias e mais uma com 6 tubos. Portanto, com 5 caixas poderá ter no máximo 50 tubos de caramelos.

O mesmo sucede com o retalhista. A unidade mais pequena que a fábrica vende é a embalagem com 10 caixas de caramelos. Assim, por exemplo, se houver 85 caixas de caramelos em armazém, são necessárias 9 embalagens, 8 cheias, e ainda mais outra com 5 caixas. Essas 9 embalagens serviram de transporte a 90 caixas de caramelos.

O leitor, com toda a razão, já deve estar a interrogar-se o que se pretende com toda esta explicação tão trivial. Na verdade, a forma como se conhece a organização dos números de acordo com o nosso sistema de numeração parece ser muito evidente. No entanto, como se poderá justificar a inquietação gerada entre educadores com ideias diferentes em relação a este problema em concreto? Trata-se do mesmo problema que levou toda a comunidade a comemorar dois anos consecutivos a passagem de milénio, precisamente por não haver consenso numa questão que afinal é tão evidente.

A dúvida surge numa questão muito concreta, num manual escolar do 1º ciclo. Pretende-se saber a que década pertence o ano 1978.

Eu próprio fiz a pergunta a várias pessoas de diferentes estratos sociais. É surpreendente o facto de se obterem várias respostas: (a) não sei, (b) é um ano que pertence aos anos setenta, logo é a sétima década, (c) oitava década, (d) 197ª década, (e) 198ª década. Afinal, em que ficamos?

Antes de o leitor também formalizar a sua opinião, talvez seja conveniente reflectir um pouco na organização dos caramelos. Poder-se-á estabelecer a relação entre os anos e os caramelos. Então quantos tubos (décadas) serão necessários para alojar 1978 caramelos (anos)? É fácil, não é?