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sábado, 28 de fevereiro de 2009

Acerca da divisão

Tenho dado conta que alguns professores do 1º ciclo se têm deparado com algumas críticas em desfavor da sua prática relativamente a alguns procedimentos que não são os mais esperados por parte dos pais. São muitos os pais que, neste nível de ensino, ainda conseguem acompanhar os seus filhos nas tarefas escolares e, quando surgem procedimentos que divergem daquilo que é esperado, normalmente, ocorre alguma incompreensão na comunidade envolvente que coloca em causa o trabalho pedagógico-didáctico do professor.

De uma forma concreta serve de exemplo o algoritmo da divisão mais conhecido pela “conta de dividir”. No acompanhamento do percurso escolar dos seus educandos, muitos pais manifestam preocupação porque os seus filhos ainda não sabem fazer as “contas de dividir” tal como eram “receitadas” antigamente.

Será que importa mecanizar procedimentos sem que, no entanto, sejam compreendidos pela criança? Que importa o cumprimento das regras para fazer uma ”conta de dividir” se no final não existe capacidade de criticar o resultado? Será mais importante saber fazer o algoritmo com todo o rigor das regras impostas para a sua execução tradicional, ou conseguir prever se a divisão, por exemplo, de 0,25 por 0,125 é menor ou maior que um?

Tem-se o exemplo do aluno que recorre ao seguinte modelo para efectuar a divisão de 3476 por 23:

Um outro aluno utiliza o seguinte modelo:


Não será mais compreensivo o recurso ao primeiro modelo para aquele aluno que se inicia na técnica de fazer divisões? Haverá algum mal nisso? No primeiro modelo, o aluno sente-se, com certeza, mais seguro e mais confiante no resultado obtido. Julgo, portanto, não haver qualquer interesse em fazer pressão sobre o aluno para abandonar a representação das diferentes subtracções. Não deverá ser o próprio aluno a tomar essa decisão quando ganhar confiança para isso?

O importante é que a divisão seja realizada, independentemente da técnica utilizada para o efeito. Aliás, o ideal seria o aluno descobrir a sua própria técnica para efectuar uma divisão. Neste caso, sem dúvida, teríamos de estar satisfeitos, pois seria um sinal de que se tenha apropriado do conceito de divisão.

O apoio dos pais é sempre uma mais-valia no desenvolvimento da criança mas, se não estiver sincronizado com a escola, deixa de ser apoio e passa a ser uma menos-valia. Portanto, é necessário que estejamos mais sensíveis às orientações da escola, para poder estar com ela e não contra ela.

Imagine que o seu educando lhe apresenta o seguinte algoritmo para efectuar a divisão anterior:


Esta poderá ser uma outra técnica para aqueles menos desenvoltos no domínio da tabuada. Assim, o aluno pode ir construindo o quociente de acordo com a sua capacidade de cálculo mental, alongando ou reduzindo o algoritmo de acordo com as suas capacidades.

De que forma interpretaria o algoritmo para poder ajudar o seu educando a fazer a seguinte divisão: 8275,26:7,23?

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Paradoxos

Por vezes somos envolvidos em raciocínios de dedução lógica e acabamos por chegar a uma conclusão contraditória. Estas questões, na matemática, suscitam interesse em muitas pessoas dado a curiosidade e a unicidade que elas representam. Poderemos tomar como exemplo a seguinte frase: ”Eu nunca digo a verdade”. Admitindo a possibilidade da frase ser verdadeira, então estamos perante um mentiroso. Se é mentiroso, então a frase tem que ser falsa. Afinal, a frase é verdadeira ou falsa? Esta situação, parecendo uma frase bastante clara, induz-nos num raciocínio circular sem se poder opinar sobre a sua veracidade ou falsidade.

Há também um paradoxo muito conhecido de Russell que aproveito para destacar, o paradoxo do barbeiro:

Há em Sevilha um barbeiro que reúne as duas condições seguintes:
1- Faz a barba a todas as pessoas de Sevilha que não fazem a barba a si próprias.
2- Só faz a barba a quem não faz a barba a si próprio.

Duas condições que parecem ser tão evidentes que não colocam em causa a sua veracidade. Quando se pretende saber se o barbeiro faz ou não a barba a si próprio já não é bem assim. Não querendo ir contra a condição 2, o barbeiro não pode fazer a barba a si próprio. Mas se não faz a barba a si próprio, atendendo à condição 1, vai ter de fazer a barba a si próprio.

Mas, se a auto-alusão propicia o paradoxo, outras situações em que não se fala de si próprio pode originar igualmente situações paradoxais. Imagine um debate entre os dois representantes dos maiores partidos portugueses. A senhora Manuela F. Leite querendo ilustrar o carácter do seu adversário diz:

- O que você vai dizer de seguida não é verdade. A resposta do seu adversário, Sócrates, não tarda:

- É verdade o que a senhora acaba de dizer.

E neste caso? Querendo apurar quem diz a verdade, devemos tomar partido por quem? Pensando bem, a política não será também um paradoxo?

Os paradoxos, à semelhança das ilusões de óptica, deveriam ter um maior peso na educação matemática. A partir deles geram-se raciocínios de elevados níveis na tentativa de procurar os porquês dessas ilusões. Outro exemplo de uma ilusão, traduzido por palavras será iludir ou convencer o leitor que o contrário de uma afirmação falsa é uma afirmação falsa. Sei que não é fácil convencê-lo do que acabo de referir, faço votos também para que o meu professor de lógica não leia este artigo. Sabendo que não está de acordo comigo reflicta então num exemplo de Martin Gardner: ”esta frase tem seis palavras!”. Não há dúvidas sobre a sua falsidade desta afirmação. Mas, a sua frase contrária não me parece que seja verdadeira. Experimente contar as palavras na frase contrária: ”esta frase não tem seis palavras”.

Admitindo que já aqui fica matéria para reflectir, deixo ainda uma outra, com o objectivo de gerar discussão, controvérsia, argumentação, raciocínio mas que se chegue a bons entendimentos.

O gerente de uma loja de CD’s deu ordem à Cátia, funcionária da loja, para fazer uma promoção com os CD’s que não se vendiam. Assim foram criadas duas colecções de 30 CD’s cada uma. Numa das colecções, cada 3 CD’s são vendidos a 3€, na outra colecção o mesmo preço dava direito a dois CD’s. De acordo com as contas do gerente iria facturar na primeira colecção 10 x 3€ e na segunda 15 x 3€ esperando um total de 75€.

A Cátia, entusiasmada com a ideia, pensou que seria mais fácil e mais rápido a venda dos CD´s se fizesse grupos de 5 por 6€. E assim foi. Rapidamente apresentou as contas e explicou ao gerente a sua brilhante estratégia que resultou na venda rápida de todos os CD’s. Assim, 12 grupos de 5 CD’s a 6€ cada grupo, apurou 72€.

A Cátia nem queria acreditar como o gerente ficou irritado. Afinal, faltavam 3€. Cabe agora ao leitor, desvendar este mistério.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Noves fora, nada.


O título deste artigo é, com certeza, muito familiar aos leitores da minha geração. Uma das competências matemáticas que a nossa escola se propunha a desenvolver nos alunos, naquela altura, era saber aplicar a prova dos noves. No entanto, julgo que a maioria dos alunos não atribuía significado a esse procedimento. Na verdade, qual será o significado do “nada”? Numa pequena retrospectiva à nossa instrução primária, antes da revolução de Abril, é fácil recordar que os números 18, 27, 36, 45, 54, 63,… gozam desta particularidade – adicionando os seus algarismos dá nove, então: “noves fora, nada”.

Hoje, uma criança do 1º ciclo identifica estes números como sendo os da “tabuada do 9”. De facto são os múltiplos de nove. Isto quer dizer que se fizermos grupos de 9, no final, o resto é zero. É este o critério de divisibilidade por 9. Qualquer número cuja soma dos seus algarismos seja nove ou um múltiplo de nove, possibilita obter, com esse número, um número inteiro de grupos de 9. É o caso do número 4185 (4+1+8+5 são 18, e 1+8 são 9). Assim, outros números compostos com os mesmos algarismos gozam da mesma propriedade: 1485, 8415, 8541,… pois, divididos por 9, dão resto zero.

Estude-se agora o caso do número 19; 1+9=10, noves fora, 1. Repare-se que, com o número 19 fazemos dois grupos de 9 e ainda sobra 1. Então o significado deste 1 é o resto da divisão de 19 por 9. Assim, sabe-se imediatamente que o resto da divisão de 25567, por nove, é 7 (noves fora, “sete”).

Não querendo ser maçudo com esta questão dos noves, aproveito ainda para tentar perceber o que acontece quando subtraímos dois números da mesma classe de resto, módulo 9, isto é, números que divididos por 9 dão o mesmo resto. O número 57 e o número 30 servem de exemplo, divididos por 9, dão resto 3 (experimente tirar os noves). No caso de serem subtraídos, os seus restos anulam-se, sendo a diferença um número que é sempre múltiplo de 9. Fazendo a verificação, temos: 57–30=27; (2+7=9). Esta é uma propriedade dos números que, frequentemente, é usada em muitas curiosidades matemáticas aproveitando-se para dar um cariz mágico a esta ciência.

Como exemplo, pode pensar num número qualquer e subtraí-lo a outro número, desde que seja formado com os mesmos algarismos do anterior. A diferença obtida é sempre um múltiplo de 9. Imagine que peço para esconder um desses algarismos, desde que não seja o zero, e que me revele os restantes. Deve compreender que está a revelar o número escondido, ou não?

Mas todo este discurso não foi apenas para recordar procedimentos antigos. O meu objectivo é dar uma pista para facilitar a descoberta das idades de dois pais e dois filhos na figura de três pessoas – o neto, o pai e o avô.

O problema que proponho pode ser visto na sua versão original no livro Uma Paródia Matemática. A necessidade que tive em adaptar este problema, perdoe-me Brian Bolt, por o ter empobrecido, foi no sentido de lhe dar apenas a possibilidade de uma única solução.

Vamos então ao desafio: o ajudante de cozinha, Augusto, numa tentativa de prever o tempo que faltava para o seu chefe Artur se reformar, perguntou-lhe a idade. O Artur respondeu-lhe da seguinte forma:
- Invertendo os algarismos da minha idade obtém-se a do meu filho Bruno. A diferença das nossas idades é o triplo da idade do meu neto, que, por sua vez, tem um sétimo da minha idade.
O Augusto perguntou ainda: Terá sido pai adolescente?
- Muito longe disso, nem eu nem o meu filho fomos pais adolescentes, respondeu o velho Artur.

Afinal, quais são as idades do neto, do pai e do avô?