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sábado, 22 de novembro de 2008

Entre o possível e o impossível - as ilusões.

Com certeza que já ouviu dizer que uma imagem vale mais que mil palavras. Também um bom exemplo pode evitar muitas palavras quando se pretende transmitir uma ideia matemática. No entanto, pior que a falta de um exemplo poderá ser um mau exemplo.

E quando se trata de um bom exemplo que parece ser um mau exemplo? Não tenho dúvidas que a dúvida resiste.

É o exemplo da figura que se segue que pretende ser o exemplo de duas figuras geometricamente iguais, isto é, se as figuras forem sobrepostas elas coincidem ponto por ponto.

imagem retirada de Perelman,Yakov. Experiências e Problemas Matemáticos Recreativos II. EDITEC

Acredita que estas duas figuras são geometricamente iguais? Claro que não. Uma até parece ser mais larga e curta que a outra. Mas, de facto elas são geometricamente iguais. Faça a experiência, copie, recorte, sobreponha-as e verá que coincidem. Extraordinário como o nosso cérebro tem tendência para ver apenas aquilo que está habituado a ver.

Sem dúvida que estamos perante uma ilusão óptica, sensações que os especialistas tentam justificar a partir das nossas estruturas oculares e mentais e também como elas se combinam.

Esta faculdade do Homem se enganar sobre as suas sensações visuais permite a valia da arte enquanto apreciadores das mais variadíssimas expressões artísticas que, caso a visão fosse completamente perfeita, não iria conseguir percepcionar as suas representações.

Penso que a figura seguinte é um bom exemplo do que acabo de dizer. Há a tendência para ver os círculos da direita afundados e os da esquerda salientes. No entanto, se virar as figuras ao contrário, com certeza que vai mudar de opinião. Aliás, a figura da direita é a mesma da esquerda, apenas foi invertida.


Experimente agora fazer um teste para verificar se realmente o seu cérebro está a ver o que realmente deverá ver. Na verdade deveria ver circunferências. No entanto, só vai acreditar no que não vê se, por exemplo, passar com um lápis sobre as linhas.


imagem retirada de Perelman,Yakov. Experiências e Problemas Matemáticos Recreativos II. EDITEC


Mas não é caso para se assustar, há quem fique ainda mais baralhado. O vídeo que se segue, inspirado nas ilusões de M. C. Escher, é um trabalho magnífico que testemunha o que acabo de dizer.



quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Divisão de unidades indivisíveis

Malba Taban, pseudónimo do professor e autor brasileiro Júlio César de Mello e Souza, falecido no ano em que nós, Portugueses, conquistámos a nossa liberdade de expressão(?), deixa-nos uma panóplia de fábulas matemáticas dando vulto àquilo que ainda muitos de nós deprecia. Um bom exemplo é o seu livro “O homem que sabia contar”, onde, entre muitas histórias, relata uma que destaco precisamente por conseguir glória no seio das tertúlias dos nossos avós. Prepare-se então para poder também participar num assunto que, lamentavelmente, já não serve de tema nas tertúlias de hoje.

Segundo reza a história, durante uma calorosa discussão entre três irmãos, eis que surgem dois amigos montados num camelo que não conseguiram evitar uma paragem para apaziguar tal discussão. A falta de entendimento entre aqueles homens devia-se ao facto de não conseguirem fazer a divisão da herança de seu pai – 35 camelos. Não havia forma de chegarem a um consenso.

Segundo a vontade expressa do falecido, metade da herança seria para o seu filho mais velho, uma terça parte para o filho Hamed e, finalmente, para o filho mais novo, Harim, resta a nona parte da herança.

O filho mais velho reclama, pois, 18 camelos, uma vez que metade de 35 são 17,5. Esta pretensão não foi aceite pelos outros irmãos, dado que o mais velho já leva a maior parte da herança. Hamed tendo direito a uma terça parte, 11 camelos e ainda mais de metade de outro, com toda a justiça acha que deve ficar com 12 camelos. Mas, Harim discorda completamente porque segundo a vontade de seu pai a nona parte da herança são quase 4 camelos. Dado ser ele o que menos recebe, então o mais novo reclama para si o benefício do arredondamento à parte inteira mais próxima.

É nesta altura que intervém Beremiz - o homem que sabia contar, dizendo que o que mais o incomoda é ver 3 irmãos a discutir um problema que é dos mais simples de resolver. Contra a vontade do seu companheiro de viagem, Beremiz fez questão em juntar à herança também o camelo em que eles se deslocavam, ficando, assim, 36 camelos para repartir pelos três irmãos.

Impávidos e já mais serenos, acreditando que se tratava de obra divina o aparecimento e a bondade de tal criatura, os três irmãos aceitaram que fosse Beremiz, com justiça, a fazer tal divisão.

Não havendo dúvidas que metade do conjunto de 36 camelos são 18, Hamed e Harim deixaram partir o seu irmão mais velho com o número de camelos que antes reclamara. Também Hamed ficou satisfeito, dado que uma terça parte de 36 era precisamente aquilo que ele pretendia, 12 camelos. Por fim, também Harim não se pode queixar, uma vez que a nona parte da nova herança dava-lhe direito a que ficasse com 4 camelos.

Concluindo, todos os irmãos saíram a lucrar com aquela divisão 18 + 12 + 4, fazendo um total de 34 camelos. Perante este facto o companheiro de viagem de Beremiz nem queria acreditar como era possível aquele entendimento e agora poderem prosseguir a sua viagem montados cada um em seu camelo.

Antes que o leitor se envolva também numa situação semelhante, sugiro que não se precipite em juntar o seu automóvel a uma possível herança. Em primeiro lugar reflicta sobre o sucedido neste caso dos camelos de modo a encontrar uma explicação para o ocorrido. Só assim ganhará o poder de se transformar também num Homem que sabe contar!


terça-feira, 4 de novembro de 2008

Operações vs algoritmos

Sempre foi assim, na escola, a primeira operação a aprender é adição e em segundo lugar a subtracção. Mas, o que é isto de aprender a subtracção? Ainda me lembro do meu pai me dizer que já sabia “fazer subtracções”, após eu ter feito uma “conta de menos armadilhada”. Digo armadilhada porque havia ordens em que o aditivo tinha valores menores que no subtractivo, o que elevava o grau de dificuldade para resolver aquele algoritmo.

Mas também há quem consiga efectuar a subtracção sem ter de recorrer a lápis e papel. E neste caso, quem faz o cálculo mentalmente, não pode ser reconhecido com a aptidão de “saber a subtracção”? Com certeza que estamos a falar de coisas distintas. Uma é o conceito da operação em si – a subtracção, outra é a técnica que utilizo para efectuar a operação - o algoritmo.

A Lucy é uma rapariga que recorreu a uma técnica interessante para fazer uma subtracção mas que, no início, baralhou a sua nova professora.
O algoritmo que apresentou foi o seguinte:
A professora admirada e tentando perceber o raciocínio da Lucy pediu-lhe que explicasse o que ali escreveu. A Lucy meio atrapalhada revelou que não tinha dificuldade em subtrair um número a outro que fosse maior. Mas, quando assim não acontece precisa de utilizar uma estratégia auxiliar, de modo a tornar compreensíveis os seus procedimentos. É o que acontece neste algoritmo nas ordens das dezenas e centenas.



Passou então a explicar:


Na ordem das unidades não tem problema, de 9 retiro 2, restam 7.

Na ordem das dezenas pretende-se retirar 6 a 2, o que não é possível. Mas retirar 6 é o mesmo que adicionar 4 e retirar 1 dezena. É isso mesmo que faço: 2 mais 4 são 6 e coloco a dezena para a poder retirar mais tarde.
O mesmo acontece em relação à ordem das centenas, pretende-se retirar 8. É o mesmo que adicionar 2 e retirar 1 dezena. Então, 3 mais 2 são 5 centenas e coloco novamente a dezena de centena para a poder retirar a seguir.

Finalmente, na ordem das unidades de milhar não há problema, a diferença entre 7 e 4 são 3. Resta agora retirar uma dezena de dezena e uma dezena de centena que foram adicionadas ao número, o que já não oferece dificuldade.



A professora, a partir de uma segunda explicação da Lucy, acabou por validar o seu raciocínio mas, convicta que se tratava de um processo muito mais complicado, tentou persuadir a aluna na utilização do algoritmo convencional.


A argumentação da aluna foi completamente convincente ao admitir que se tivesse de utilizar o algoritmo tradicional para fazer a subtracção, muito provavelmente se iria enganar porque não percebia os procedimentos deste algoritmo, embora se trate de uma aluna do 4º ano de escolaridade.

Assim, quando numa ordem o aditivo é menor que o subtractivo, então, só precisaria de fazer a adição do aditivo com o complementar do subtractivo. Note-se que o complementar de um número é a diferença entre a próxima potência de base 10 e esse número. Neste caso porque se tratam de números inferiores a 10, os pares (1,9), (2,8) (3,7) e (4,6) são complementares.
Levanta-se então a questão se o algoritmo utilizado pela Lucy não tem a mesma validade que o vulgar algoritmo da Subtracção.

Esta aluna revelou ter sentido do número, o reconhecimento do valor de posição e um bom domínio do conceito de subtracção. Mais, não se pode pedir.

A professora também aprendeu que o para o estabelecimento de uma relação forte entre professor/aluno, fundamental no processo ensino/aprendizagem, também passa por respeitar os próprios processos de cada aluno.

E o caro leitor, o conceito que tem de subtracção será que é suficiente para poder explicar quando diz “e vai um”, um quê? E porquê?

Dias depois, a mesma professora, após ter verificado os trabalhos de casa pediu ao Télen, novo aluno na turma - imigrante, que explicasse aos seus colegas outra forma de poder efectuar uma divisão.

O algoritmo utilizado no seu TPC era o seguinte:


Não quererá o leitor tentar interpretar o raciocínio do Télen?